quinta-feira, 25 de junho de 2009

Antítese

Eu sinto na pele a bonança incrível das crianças
E os sorrisos tolos de afagos abraços dos cachorros que me amam na rua
Bebo a estripulia matutina do sol que colore de tom claro os meus lençóis vermelhos
E brinco com as gotinhas que dançam virtuosas no meu banho de chuveiro
Mastigo a doçura das risadas dos meus amigos
E sorrio quando, por ventura, uma lágrima respinga e padece na ponta do nariz
Estravaso os limites da loucura quando o que mais quero é ficar em silêncio
E falo tão pouco e tão breve quando a minha vontade é fazer o que não fiz
Não tenho pressa das coisas que vêm
E nem me doem as que passam demais
Alimento-me das pequenas carícias que a vida me fez
E me transbordo das grandes alegrias que ela me faz

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Já estava em tempo de acontecer e dessa vez você foi de vez em bora. Enfim arregaçou a calça, limpou a sola do sapato e partiu sem ouvir o meu adeus. Não daria certo nunca. Nunca seremos mais do que um casal que não deu certo e que revive sempre o mesmo passado amargo que atroz vivemos. Estava e sempre esteve claro aos meus olhos. Você que sempre negou o óbvio. Agora você parte num pedaço da estrada sem curva. Cortou simplesmente o meio da linha reta e sem assunto, foi e só. Não era assim que eu imaginava que tudo acabaria um dia. Não foi assim que eu quis pra mim, pra você e pra nós. O que resta é um vazio de saudade e angústia, mas um dia passa... Sempre passa.

sábado, 6 de junho de 2009

Anjo

Mais uma vez estive ali, num passo do abismo. Um pé pra fora e outro cambaleando. Lágrimas formando correntes pesadas puxando meu corpo pra distante do chão firme. Até, que não mais que de repente, surge uma mão- cálida, zelosa, forte -, me segura pelo braço, suspende, me livra do peso e pinta um sorriso no meu rosto. Um anjo... Um anjo sem asas, mas de pele, ossos, músculos e o que mais for necessário para um semblante humano perfeito. Perfeito na voz. Perfeito nos gestos. Perfeito, e só. Não há descrição aos pés desse meu anjo-protetor. Talvez, e muito provavelmente, porque o que há de maravilhoso alça vôos e as palavras perderam-se, como gotas sublimadas, nos ares. Um céu... O mesmo céu que parecia coberto de breu, ficou claro, límpido e breve. Ali, tão palpável às minhas pequenas mãos calejadas de tanto segurar o pranto. Tão perto. Reavi a cor do lume pra depois conseguir, novamente, almejar o paraíso. De tão baixo, à tão longe, longe, longe... Banhado pela estelar imensidão azul. Esperança: novamente encharcou meu peito de fantasia e agouro. Suspiro. Alívio. Mansidão calorosa a um coração cansado.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Perdido da vereda

Decisivamente, a vida é uma criança moleca que - cada dia que passa - nos impressiona com estripulias diversas. Quando eu menos imaginava (e queria) que o coração começasse a bater mais depressa, essa criança brinca comigo. Remexeu e balançou meus pensamentos e agora sinto que borboletas dançam dentro do meu estômago. Onde você estava esse tempo todo que eu não te via? A que passo do caminho você cruzou que eu não te ouvi? Tudo o que eu precisava transborda de calor e alegria a minha face e você que reviveu um eu perdido na vereda. Estava te esperando há muito e só eu não sabia.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Baca

A estrela maior já se despedia e sua esposa bailava triunfantemente no negror do céu. Passava das sete da noite e já era hora do ritual de caça. Era alva, sua pele, e dourado o tom das sua madeixas onduladas que pendiam até meio palmo da cintura. Tinha cerca de 25 anos e uma silhueta de causar arrepios. Tirou da bolsa, fiel escudeira, seu vestido rubro-sangue e sua sandália marfim. Arrumou-se, ajeitou-se. Pôs a meia de seda para adornar ainda mais suas pernas e coxas firmes e arredondadas. Maquiou-se: maçãs faciais rosadas e angelicais, um olhar negro-gato e os lábios vermelhos-fel. O relógio batia oito horas e estava atrasada, não podia perder mais tempo ali. Saiu do quartinho que alugara em Copacabana, somente para os fins de semana, e partiu - em passos largos - para a Av. Atlântica.
Estava bela, repugnamente bela e sabia disso. Fazia do asfalto a sua passarela e jogava os cabelos da maneira que só ela conhecia. Olhava os carros apressados e escolhia, minunsiosamente, a presa do dia. Até, que a 20 minutos de espera, surge um Siena da cor do seu traje e era aquele que queria. Lançou seu olhar palaciano de mulher que ali não vivia e ficou à espreita. O carro diminuiu a velocidade e veio em sua direção.
O motorista, um homem alto, robusto, de seus 30 anos de idade e um olhar azul marinho que a deixou fascinada, além da sua pele morena, mulata, sua cor preferida, abaixou o vidro e, levantando os óculos, dizendo: - Afim de algo diferente hoje?
A mulher de vermelho respondeu: - Faz-me o favor de abrir a porta primeiro.
O motorista achou aquele tom esquisito e o pedido ainda mais, mas com um torcer de lábios e um quebrar de pescoço, abriu a porta para ela entrar.
Em seguida, ele perguntou: - Pra onde vamos?
Ela respondeu: - À minha casa.
Novamente pareceu estranho a resposta ao motorista, mas era sexta-feira e ele acabara de terminar um noivado. Estava carente e enlouquecidamente bêbado; não iria, de forma alguma, perder tempo com suposições tolas e então, perguntou: - Onde é que fica?
- Eu te guio, disse ela.
E foram.
- Esse é o prédio, apontou. Ficava na esquina da Barata Ribeiro com a Siqueira Campos. Entraram.
Ela pediu que lhe esperasse no quarto e, se dirigindo até ele, o motorista tratou de despir-se para agilizar o processo.
Até que ela volta, ramo de videiras nos cabelos, corpo coberto de uma manta que se confundia com sua pele e tirso na mão.
Intrigado, o motorista pergunta: - O que é isso?
- Uma nova brincadeira, não se preocupe - ela dizia.
Amarrou-o na cama e, de repente, como uma leoa, estilhaçou primeiro a couraça humana e começou a comer a carne crua com as mãos. Estava, enfim, saciada.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Preguiça

São 9 da manhã de uma segunda chumbenta e Zeus brinca de inundar a cidade do Rio. De tom gélido e opaco, a cidade perde o codinome de maravilhosa. A chuva propenda o ócio e a vontade incontrolável de não se levantar da cama, tão quente, macia e gostosa. Desisto dos afazeres rotineiros e me acomodo, sem relutar muito, à preguiça. Levanto, me aqueço com um café ao leite, faço um carinho no bichano e retorno ao leito. Desenrolo a capa da vadiagem e me cubro por inteira. Não sei quem Morpheu mais acolhe, se a tua serva aqui (eterna) ou a pseudo-lince que se estira pelo lençol, ocupando mais do que o seu devido espaço. Fico pensando se devo me despertar e dar cor à vida. Respiro e penso, pensando e respirando e não chegando à conclusão alguma, além de que está quentinha a posição que me encontro. Imagino a faculdade, as pessoas que sentem frio agora, a fome, o desprender das barrancas, os casais enamorados... Não, me perdoe, mas a comoção ainda não se tornou maior que a coberta da minha cama.